Quando uma torneira abre em uma casa no município de Canarana – MT, a água que sai e é usada para limpeza e preparo dos alimentos, possui uma ligação intrínseca com o agronegócio local. Cada gota de água usada na cidade é possível graças a um trabalho que começa lá no campo, dentro das propriedades rurais.
Canarana, que está localizada no leste do Estado de Mato Grosso, tem vocação econômica para o agronegócio. Na safra 2024/2025, plantou 340 mil hectares de soja, 120 mil hectares de milho e 120 mil hectares de gergelim. Das centenas de produtores rurais no município, a maioria possui a propriedade transpassada por rios e córregos. Uma delas, por exemplo, é a fazenda Tanguro, do produtor Geraldo Antonio Delai.
E essa água, de onde vem?
A propriedade de Delai, a 40km da zona urbana de Canarana, possui 6.000 hectares, sendo 40% de vegetação nativa preservada, cortada por cinco córregos que deságuam no rio Tanguro, que dá nome à fazenda e que também serpenteia suas terras. Em sua fazenda estão cerca de 10% das nascentes mapeadas do rio Tanguro até o ponto de captação próximo da cidade, de onde sai a água que abastece quase metade da população de Canarana.

O Produtor, atualmente com 65 anos, é presidente do Sindicato Rural de Água Boa – MT, município vizinho à Canarana, e comprou a propriedade em 2003, com a agricultura ocupando 3.000 mil hectares. A pecuária também tem seu espaço. Muito boa de água, Delai preserva as nascentes e as matas ciliares, que beneficia 30 mil habitantes com água na torneira todos os dias.
A preservação de nascentes colocou a propriedade de Delai no Programa Guardião das Águas, da Aprosoja (Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso), que identifica, mapeia e conserva as nascentes de Mato Grosso, utilizando tecnologia de georreferenciamento. O projeto reforça o compromisso dos produtores rurais em aliar produtividade e sustentabilidade. Até o momento, já foram identificadas mais de 105.000 nascentes nos 56 municípios mapeados pelo projeto, sendo que 95% dessas nascentes estão conservadas e/ou moderadamente conservadas.

Além de preservar no mínimo 30 metros com mata ciliar em cada um dos lados dos cursos d’água, Geraldo cercou as nascentes para impedir a entrada do gado e o pisoteamento. Ele salienta, contudo, que pouco se divulga sobre isso. “O produtor é muito mal visto pela sociedade, né? {…} Acredito que é somente com a mídia mesmo que a gente consegue fazer essa desmistificação, trazendo a população urbana para o campo, demonstrando o que nós fazemos aqui, de que forma que a gente faz! {…} Muitos da cidade não sabem disso”, destaca Delai.

Semelhante a propriedade de Delai, existem muitas outras não só em Canarana, mas em todo o Mato Grosso produtivo. A preservação das nascentes e dos cursos d’água, é claro, também tem um custo. “Quem trabalha com pecuária precisa fazer cerca e isso tem um custo. Em alguns locais também precisamos replantar árvores. Outra coisa é cuidar das erosões para que essas águas continuem sendo limpas, cristalinas. Então, talvez a gente não consiga mensurar o custo de fato, mas é um ônus bastante grande”, complementa.
E essa água, para onde vai?
O rio Tanguro, um dos mais importantes da região, nasce na Terra Indígena Pimentel Barbosa, interior de Canarana. Até a estação de captação da água, próximo à cidade, são 373 km de curso d’água, contando o rio Tanguro e seus afluentes, além de 137 nascentes, conforme o Codema (Consórcio Intermunicipal de Desenvolvimento Econômico, Social e Ambiental do Médio Araguaia), sendo 14 na fazenda de Delai. O Tanguro deságua no rio Xingu, já dentro da Terra Indígena do Xingu, beneficiando a população da cidade, sítios e aldeias indígenas ao redor de seu curso. Portanto, a preservação depende tanto dos produtores rurais, quanto dos indígenas.

Do rio Tanguro, conforme a Norte Saneamento, concessionária responsável pelo abastecimento de água em Canarana, são captados 2,5 milhões de litros de água por dia, cerca de 49% do total utilizado diariamente pela população do município. O restante da água que abastece a cidade é captada através de poços artesianos.
Uma das beneficiadas pelas águas do Tanguro é a diarista Mariza Freitas de Oliveira, de 36 anos, que escolheu para si e sua família o município como lar há cinco anos. Diariamente, na lavagem da louça, roupas e no banho, ou nos serviços que presta nas residências em que trabalha, utiliza a “água da rua”, como o fornecimento é conhecido.

Em cinco anos na região, contudo, por simples desconhecimento, não sabia do papel do produtor rural na água que ela utiliza no dia-a-dia, realidade de boa parte da população urbana. Mas agora, informada dos dados, reconhece o trabalho e investimento do produtor rural para ter a água que ela utiliza. “Eu vejo que eles não pensam só pro lado deles, da soja plantar, colher, né? E por eles cuidar dessas minas de água, gera para a população inteira”, finaliza a diarista.

E o futuro?
A população da cidade de Canarana está crescendo, principalmente com a chegada da indústria, em destaque uma usina de etanol de milho. E o rio Tanguro continuará sendo importante no fornecimento de água. O secretário de Desenvolvimento de Canarana, Ederson Porsch, disse que a Prefeitura tem planos para represar o rio na altura da captação, criando um reservatório que garantiria o abastecimento da cidade em períodos de seca e criando uma área de lazer para a população.
“O rio Tanguro é muito importante para Canarana, mas qualquer coisa que a gente planeje só será possível se o rio tiver água. E só vai ter água se os proprietários preservarem as nascentes e as matas ciliares, trabalho que eles fazem com maestria. Eu diria que essa preservação garante o futuro da existência e do desenvolvimento de Canarana”, finaliza o secretário.
Por Rafael Govari e Lavousier Machry. Fotos: Rafael Govari.