terça-feira, 12 agosto, 2025
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BNDES suspende verba de obra da 3Tentos em Porto Alegre do Norte após maior resgate do ano de trabalhadores em condições análogas à escravidão

O BNDES  (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) suspendeu um financiamento de R$ 500 milhões à Três Tentos Agroindustrial após o resgate de 563 trabalhadores submetidos a condições análogas às de escravo no canteiro de obras de  uma usina de etanol de milho da companhia, em Porto Alegre do Norte (MT). A operação deflagrada foi o maior resgate do ano.

A obra contou com o investimento do BNDES e de recursos públicos do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, o chamado Fundo Clima. Vinculado ao MMA (Ministério do Meio do Ambiente), ele foi criado para apoiar empreendimentos que promovam a redução dos efeitos das mudanças climáticas.

Operação resgatou 563 trabalhadores de condições análogas às de escravo no canteiro de obras de uma usina de etanol de milho em Porto Alegre do Norte, no Mato Grosso
Foto: Vagner Teixeira Maciel – GSI/PGT/MPT

Após questionamento da Repórter Brasil, o banco de fomento informou que notificou a Três Tentos a prestar esclarecimentos sobre o caso e decidiu suspender os recursos “até que as informações sejam apuradas”. O MMA confirmou a suspensão. Confira as notas completas dos órgãos aqui.

A construção da usina para ampliar a capacidade de produção do biocombustível da Três Tentos estava sendo realizada pela TAO Construtora, responsabilizada pelas condições impostas à mão de obra na operação conduzida por MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), MPT (Ministério Público do Trabalho) e Polícia Federal. Os trabalhadores dormiam em alojamentos precários, sem água e energia elétrica, com banheiros sujos, quartos superlotados e sem ventilação. Queixas sobre a má qualidade da alimentação também foram registradas.

Revoltados com a situação, os trabalhadores provocaram um incêndio no canteiro de obras da usina.

Além das condições degradantes, a fiscalização apontou a existência de servidão por dívida. Também foram levantados indícios de tráfico de pessoas, com aliciamento de operários em estados das regiões Norte e Nordeste.

O Ministério Público do Trabalho informou que está negociando um TAC (Termo de Ajuste de Conduta) com a empresa.

Em nota à Repórter Brasil, a Três Tentos afirmou que está acompanhando o caso  e avaliando “medidas cabíveis”. “Prezamos pela dignidade de todas as pessoas envolvidas em nossas operações, sejam elas diretas ou indiretas. Práticas que violem os direitos humanos e trabalhistas são incompatíveis com os valores da companhia”, diz a nota. Leia a manifestação completa aqui.

Após o anúncio da suspensão do financiamento pelo BNDES, a assessoria de imprensa da Três Tentos foi novamente questionada pela reportagem. Porém, até o fechamento desta matéria, não houve retorno.

Em nota, a TAO afirma que o incêndio foi criminoso e provocado por um “grupo isolado de trabalhadores”, e diz que vem colaborando com as autoridades. Assinado pela direção da empresa, o texto não comenta as condições degradantes apontadas pelas autoridades, como a falta d’água e o uso de água de rio no alojamento, mas diz ter compromisso com o direito dos trabalhadores. “A TAO Construtora repudia veementemente qualquer prática análoga à escravidão ou tráfico de pessoas”. Veja a nota na íntegra aqui.

Financiamento verde

Quando o contrato com a Três Tentos foi celebrado, em novembro de 2024, o BNDES divulgou o investimento como uma iniciativa para reduzir a emissão de gases de efeito estufa, em diálogo com as políticas climáticas do governo federal.

O financiamento foi feito na modalidade “reembolsável”. O contrato prevê a devolução do valor, a partir de condições de pagamento previamente acordadas com o banco, e tem como objetivos a implantação de uma usina geradora de energia elétrica a partir de biomassa, além da ampliação da capacidade de produção da planta da Três Tentos. De acordo com a própria divulgação do BNDES, a unidade terá capacidade para produzir 935 mil litros de etanol de milho, 587 toneladas de grãos secos de destilaria e 37 toneladas de óleo de milho por dia.

A Três Tentos estima o custo da ampliação da usina em R$ 1,16 bilhão, conforme relatórios divulgados pela empresa. A  conclusão da obra está prevista para 2026. A empresa também emitiu títulos verdes no total de R$ 560,7 milhões no mercado financeiro, para serem utilizados no empreendimento.

A Três Tentos conta com 70 unidades distribuídas no Rio Grande do Sul e Mato Grosso, atua na área de  insumos, grãos, indústria e soluções financeiras, dentro do setor do agronegócio.

Além do financiamento para a obra no Mato Grosso, a companhia também recebeu R$ 80,3 milhões em financiamento para os empreendimentos no Rio Grande do Sul, em oito contratos diferentes, sendo seis deles firmados em 2012 e dois em 2025, conforme dados acessados pela Repórter Brasil.

Debêntures verdes 

Em 2024, a Três Tentos anunciou a venda de debêntures verdes no valor de R$ 560,7 milhões. Os recursos obtidos com a operação, segundo a companhia, também se destinam a custear a obra da usina em Porto Alegre do Norte (MT).

Os debêntures verdes, títulos privados de dívida negociados na bolsa de valores, têm como objetivo financiar projetos com benefícios ambientais, como a redução de emissão de gases de efeito estufa. Assim como em outros títulos de dívida, a empresa emissora se compromete a pagar o valor investido acrescido de juros aos investidores após um determinado período.

No documento de regulamentação dos debêntures, a Três Tentos informa que segue as diretrizes do Green Bonds Principles (GBP) definidas pela International Capital Market Association (ICMA) e seguidas por investidores no mundo todo. Entre os princípios regulamentadores do GBP estão o cumprimento de diretrizes socioambientais e o respeito aos direitos humanos.

Políticas socioambientais para financiamento público

O BNDES dispõe de uma Política de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática ou PRSAC. Além disso, nos documentos de regulamentação do Fundo Clima, são consideradas questões socioambientais entre os critérios de aplicação do recurso. O Plano Anual de Aplicação de Recursos 2025 e o Relatório Anual de 2024 citam especificamente a prática de trabalho escravo, inclusive como critério de exclusão de clientes e cancelamento de contratos.

O etanol de milho, classificado como ‘energia verde’, é considerado uma alternativa para a diminuição dos combustíveis poluentes. A classificação favorece a obtenção de financiamentos pelos produtores. A procura por energia sustentável tem aumentado a produção de biocombustíveis feitos com o grão. Especialistas alertam, entretanto, para os impactos socioambientais dessa produção no Brasil.

Em 12 safras, a produção de etanol de milho no Centro-Sul saltou de 37 milhões de litros para 8,19 bilhões, de acordo com dados da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica). Entre 2024 e 20025, o biocombustível representou 22% do volume total de etanol do Brasil, com a maior produção no estado do Mato Grosso.

Por Repórter Brasil.

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