Eram pouco mais das 09 da manhã, mas o calor já era sentido pelos agricultores que ocupavam o prédio do cinema de Tenente Portela – RS. O então Prefeito gaúcho, Euclides Salamoni, coordenava a reunião. Em pauta, a falta de terras no município e a busca por uma solução. Por volta das 14h o evento se encerrou com o estabelecimento de um novo horizonte. O dia era 31 de março de 1971 e aqueles produtores acabavam de criar a COOPERCOL (Cooperativa de Colonização 31 de março Ltda) a primeira cooperativa colonizadora do Brasil.
A criação da cooperativa, contudo, foi o resultado de uma série de reuniões anteriores guiadas por um desejo latente dos agricultores gaúchos que precisavam de um caminho para driblar as dificuldades financeiras impostas pela situação sócio-econômica que enfrentavam. Durante toda a década que antecedeu aquele dia histórico, a expressão de ordem era a modernização do campo, visando aumentar a produtividade a fim de atender um mercado nacional e internacional com demanda cada vez maior.
Os governos militares vigentes criaram um plano de desenvolvimento econômico que, dentre vários fatores, acelerou a modernização da agricultura, por meio de crédito e subsídios. O plano intensificou a mecanização da agricultura e aumentou o tamanho das áreas cultiváveis e o número de trabalhadores assalariados. Em contrapartida, a agricultura familiar ficou excluída das políticas públicas, e pequenos proprietários de terras se viram sem alternativa financeira. A situação mudou quando os produtores, nas reuniões que antecederam aquele 31 de março, começaram a se perguntar: porque não migrar?
Um dos nomes que encabeçaram a disseminação da ideia de migrar e a criação da cooperativa, foi o empresário, jornalista e pastor luterano Norberto Schwantes. Na rádio municipal de Tenente Portela, inaugurada em outubro de 1970, Schwantes, com o sotaque alemão puxado, falava com os agricultores gaúchos relembrando-os que a ideia de buscar um novo lar para prosperar é antiga e remonta aos tempos bíblicos. Ele argumentava que Deus prometeu aos Israelitas, descendentes de Abraão, dizendo: ‘Saia da tua terra, do meio dos teus parentes e da casa do teu pai e vá à terra que eu lhes mostrarei’. Norberto concluía dizendo que, no caso deles, a terra prometida estaria dentro do próprio Brasil, rumo ao norte, em meio ao cerrado.
Siegfried Roewer, que hoje empresta seu nome à “praça do avião” de Canarana foi o primeiro presidente eleito da Coopercol, tendo como vice, Avelino Righi. Os demais membros do conselho e diretoria foram: Lenis Franceschetti, Arlindo Müller, Alvício Winck, Heinz Kürschner, Ladislau Krolikowski, Érico Schindler, Egon Eberhardt, Élio Nicaretta, Amandio Micolino, Armando Peter, Nathaniel Rigo e Florindo João Lorenzon.
De início a ideia era levar os agricultores para Dourados – MS, mas, graças a um programa governamental denominado “Proterra”, que fornecia crédito para a empreitada através do Banco Nacional de Habitação, desde de que a colonização ocorresse na região amazônica, o plano foi transferido para Barra do Garças, o caminho mais lógico encontrado na região. Barra do Garças era até então uma imensidão de mata, que na época tinha uma área territorial de aproximadamente 273 mil quilômetros quadrados, sendo o maior município do mundo. Um território maior que todo o Reino Unido.
Schwantes comenta em seu livro “Uma Cruz em Terra Nova” que a mudança de rumos “causou uma debandada dos associados da Coopercol. Dos 700 inscritos {…}, restaram menos de 70”. Norberto salienta que as condições da região desanimaram os produtores. Numa tentativa de remediar a situação, o agrônomo Orlando Roewer ficou incumbido de organizar estudos da região e preparar o local para receber os pioneiros. Houve um novo trabalho para recativar e cativar novas famílias para a empreitada.
Em 06 de julho de 1972, dias antes das primeiras duas famílias colocarem os pés no cerrado, a convite de Orlando, um grupo de estudantes de agronomia chegou à região através da precária recém aberta BR-158 para “preparar o terreno”. Carlos Roberto Landerdahl, Gui Gerson do Canto Brum, Heider Vito Bernardi Campanaro e Helvio Carlesso, viajaram quase 3.000 km para, em meio ao cerrado virgem do Mato Grosso, iniciar a demarcação das primeiras infraestruturas do que viria ser Canarana, como o levantamento planimétrico, estrada, localização dos terrenos da 1º Agrovila, e é claro, analisar o solo. Aliás, em 14 de julho de 1972, enquanto os agrônomos demarcavam as terras da região, as famílias dos primeiros pioneiros chegavam no que então ficou conhecido como “Vila Sucuri”. Eram as famílias de Siegfried Bruno Geib e Ervino Teixeira Berft.
De 1972 até 1976, a Coopercol implantou dezenas de projetos de colonização no Leste de Mato Grosso. Projeto Canarana I com área total: 39.981 há, 80 famílias assentadas; Projeto Canarana II com área total: 9.800 ha, 47 famílias assentadas; Projeto Canarana III, área total: 28.700 ha, 71 famílias assentadas; Projeto Garapu I, área total: 9.800 ha, 47 famílias assentadas; Projeto Água Boa I; Área total: 24.300 há; 60 famílias assentadas; Projeto Água Boa II; Área total: 14.500 há; 36 famílias assentadas; Projeto Vale da Serra Azul; Área total: 16.200 há; 52 famílias assentadas e Projeto Areões; Área total: 18.500 há; 44 famílias assentadas.
De lá para cá, se passaram 50 anos e muitos dos pioneiros ainda lembram com exatidão das dificuldades enfrentadas e também da felicidade coletiva a cada conquista. Parte desta história pode ser conferida hoje na Fundação Pró Memória de Canarana, onde muitas fotos, objetos e documentos da época compõem um dos acervos históricos mais ricos do Estado. Aquele 31 de março serviu de pontapé para muitas histórias de vida e hoje, a decisão de cada um daqueles que decidiram para a região migrar, culminou em municípios fortes e produtivos como Canarana, Água Boa e muitos outros, confirmando que esta região, é mesmo a “terra prometida”.
Por Lavousier Machry, para OPioneiro, com informações e fotos cedidas por Domingos Finato.